O dia em que a troca de ideias mostrou fortificar pessoas e artistas ecoaram resistência

Compartilhamento de vivências e manifestações artísticas fazem parte do segundo dia de Circuito Saravá

Redação por Gabriella Salame

Roda de conversa com Lília Melo, Priscila Duque, Rona Neves e Vivi Reis – Foto: Heleno Beckmann

O que você espera de uma roda de conversa hoje? O segundo dia do Circuito Saravá, que ocorreu no dia 24 de abril, no Núcleo de Conexões Na Figueredo, mostrou a forte presença de mulheres, com o toque de vivência do multiartista Rona Neves, para falar de arte periférica e ancestralidade. Além disso, também houve uma mostra de desenhos dele e a apresentação inédita da performance “Cristiano”, feita pelo multiartista.

O sofá amarelo e as cadeiras dispostas no palco foram o local central em que Lilia Melo, Vivi Reis, Priscila Duque e Rona Neves se acomodaram e ficaram por um bom tempo imersos na troca de ideias. A ativista e militante, Vivi Reis, participou da roda de conversa e intermediou esse papo entre os artistas, que compartilharam vivências relacionadas a juventude negra, experiências pessoais de vida e falaram um pouco sobre o Projeto Cine Club TF, coordenado pela professora Lília Melo.

A FORÇA VEM DA LUTA DELAS!
Mulheres de luta se fizeram presentes nessa roda. Discutiram, compartilharam experiências profundas sobre à educação, sobre vivências nos caminhos da arte e da vida. Vivi Reis, militante feminista de terras amazônidas, falou sobre a importância da educação e dos caminhos da arte para o crescimento dos jovens que vivem nas áreas periféricas, mostrando um pouco, através da fala dela, as dificuldades que enfrentou. “Dizem que a gente tem que estudar para ser alguém, mas muitos não nos dão o direito nem de estudar, porque o que são as escolas públicas sucateadas”, diz a militante.

“Dizem que a gente tem que estudar para ser alguém, mas muitos não nos dão o direito nem de estudar, porque o que são as escolas públicas sucateadas”

Vivi Reis durante roda de conversa – Foto: Treme Filmes

Em um momento após a interação com todos, Vivi Reis fala sobre a importância de realizar um evento como esse na cidade. “A gente precisa cada vez mais aprofundar e se inserir na luta antirracista, na luta feminista, na luta da periferia, na luta contra a LGBTfobia, então esse espaço é o primeiro de muitos”, diz Vivi. A militante também explica que a história do povo preto e das mulheres vem sendo invisibilizada por muitos anos e comenta a importância de contar essas histórias e escrevê-las. “Nós estamos, agora, buscando os espaços que muitas vezes não nos abrem, mas a gente bota o pé na ponta e entra pra contar nossa história e mais do que contar, a gente tá escrevendo essa história”, explica.

“Nós estamos, agora, buscando os espaços que muitas vezes não nos abrem, mas a gente bota o pé na ponta e entra pra contar nossa história e mais do que contar, a gente tá escrevendo essa história”

Teve muito diálogo sobre arte e resistência periférica, o que envolveu o cinema. Quando falamos em cinema, muitas ideias podem invadir a sua mente. Talvez pense em um emblemático longa-metragem já visto, um(a) diretor(a) sensacional ou aquele último plot twist que te balançou. Aqui a gente fala de um projeto social, envolvendo essa arte, que mudou vidas.

Lília Melo, professora na Escola Estadual Brigadeiro Fontenelle, localizada no bairro da Terra Firme, mudou vidas e incentivou alunos a entrar no mundo do cinema através do Projeto Cine Clube TF, que idealizou na Brigadeiro Fontenelle. A presença da educadora fortificou a conversa fomentada sobre os jovens e a importância do projeto.

A professora fala, com segurança, sobre a importância de escutar diversas experiências e pessoas de diferentes locais de fala. “A gente tem as urgências, mas não adianta ter esses problemas e ter essas urgências se a gente não falar sobre elas a partir de diferentes pontos de vista e a partir de vários lugares, de locais de fala”, diz Lília Melo.

Professora Lília Melo durante a roda de conversa – Foto: Heleno Beckmann

“A gente tem as urgências, mas não adianta ter esses problemas e ter essas urgências se a gente não falar sobre elas a partir de diferentes pontos de vista e a partir de vários lugares, de locais de fala”

Ela também compartilha o que pensa sobre a união e a resistência necessária hoje. “Nós estamos vivendo um momento que é necessário não somente falar, mas mais do que falar, é preciso somar e agir”, explica com firmeza. Assim como ela, a jornalista e artista Priscila Duque, também tem um pensamento que se conecta profundamente a ideia de ação coletiva. “Existem muitas iniciativas negras muito fortes e muito interessantes acontecendo, não só em Belém, como no Pará, como no Brasil inteiro e eu acho que é o momento da gente cada vez mais se juntar, cada vez mais criar uma rede mais forte”, diz Priscila Duque.

Jornalista e artista, Priscila Duque, durante roda de conversa – Foto: Heleno Beckmann

“Existem muitas iniciativas negras muito fortes e muito interessantes acontecendo, não só em Belém, como no Pará, como no Brasil inteiro e eu acho que é o momento da gente cada vez mais se juntar, cada vez mais criar uma rede mais forte”

O ARTISTA E A PERFORMANCE
“Sou um homem simples, um artista, que através da minha própria arte eu busco me conectar, me expressar”. É assim que Rona Neves se define durante essa roda de conversa. Ele carrega uma postura de educação e respeito do início ao fim, pedindo licença ao entrar no palco e ao sentar-se com as integrantes acomodadas. Contando histórias e fazendo reflexões a partir dos próprios pensamentos e do que Vivi Reis, Lília Melo e Priscila Duque falaram, ele fala das dores que passou durante a vida, como a perda de 22 primos assassinados, assim como da própria relação com a arte na trajetória que tem.

É visível, a partir das palavras de Rona, que a trajetória construída é fortemente marcada por uma forte vontade de ser, estar e permanecer na arte. Foi isso que ele mostrou na hora da conversa, por mais que, segundo o artista, ele se enrole para falar sobre a teoria artística, ele tem, ao mesmo tempo, voz e local de fala para falar sobre essa longa estrada de vivências. “Se você me perguntar sobre o meu lugar enquanto ser vivente nesse rolê, nesse rolê da periferia, da ancestralidade, da arte, da construção da arte, eu vou saber falar sobre isso por conta da convivência, por conta de vivenciar”, explica Rona Neves.

Multiartista Rona Neves durante roda de conversa – Foto: Heleno Beckmann

“Se você me perguntar sobre o meu lugar enquanto ser vivente nesse rolê, nesse rolê da periferia, da ancestralidade, da arte, da construção da arte, eu vou saber falar sobre isso por conta da convivência, por conta de vivenciar”

A manifestação da arte imperou na performance que foi apresentada, pelo multiartista, no segundo andar do Núcleo de Conexões Na Figueredo. Na performance “Cristiano”, Rona trata das vozes de primos, amigos e jovens que foram assassinados e não tiveram essa fala. “A performance fala dessa ausência, dessa não fala e de uma resposta minha enquanto artista através dos objetos que eu vou utilizar, através de uma narrativa que eu criei”, conta.

Performar sobre um assunto sensível requer muita expressão para transmitir as dores, as ausências e principalmente a não fala tratada por ele. O público pode sentir, através dos olhos, da fala e dos movimentos do artista, toda essa representação de impacto, que contou com a interação dele no espaço. Segundo Rona Neves, antes de realizar um trabalho, ele não costuma apenas ocupar o espaço, mas sim entrar e sentir o espaço. “É muito também sobre respeitar o espaço que você tá chegando e como dialogar com esse espaço, como criar um vínculo, como a partir daquelas possibilidades, daqueles elementos que já estão ali, você começar a construir a performance”, explica apontando partes do local. O texto veio pronto pelo multiartista, mas foi assim que a performance “Cristiano” nasceu em Belém.

Multiartista Rona Neves dialogando após a performance – Foto: Heleno Beckmann

“É muito também sobre respeitar o espaço que você tá chegando e como dialogar com esse espaço, como criar um vínculo, como a partir daquelas possibilidades, daqueles elementos que já estão ali, você começar a construir a performance”

Contamos com a presença da arte. Com mulheres de força, com jovens artistas, com todos que vem para somar e construir a luta diária de uma vida melhor. Nesse espaço do Núcleo de Conexões, a troca de ideias mostrou que a resistência existe e a arte é a forma de manifestação que transforma e fortifica. Mas e aí, o que tu fazes para colaborar com essa transformação?

Ainda tem mais! Confere aí o vídeo que a gente fez com a galera que movimentou essa roda


Imagens: Treme Filmes | Roteiro: Gabriella Salame | Edição de vídeo: Elson Britto | Reportagem: Gabriella Salame | Produção: Gabriella Salame e Heleno Beckmann | Fotografia: Heleno Beckmann e Treme Filmes | Edição geral: Gabriella Salame | Estratégias digitais: Heleno Beckmann.

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