Festival sem clichê

O Festival Sonido cola no Mercado de Carnes e mostra porque foge do óbvio

Redação por Yasmin Talita

Camarones Orquestra Guitarristica com Manoel Cordeiro – Foto: Treme Filmes

Como tu imaginas que é a experiência de participar de um Festival de Música Instrumental e Experimental no Mercado de Carne Francisco Bolonha? Durante os dias 14 a 16 de junho, ocorreu a quarta edição do Sonido, um festival de música experimental e instrumental realizado pela Se Rasgum Produções, no Mercado de Carnes Francisco Bolonha, um prédio histórico com arquitetura art noveau integrado no Complexo Ver-o-Peso. O evento tem um clima que só tu participando para sentir bem a essência única de vivenciar a música, de vários artistas, reunidos dentro de uma área tão importante pra cultura paraense!

Com o principal objetivo de valorizar o mercado e artistas que se dedicam a produzir arte instrumental e experimental, o festival nasceu nesse ambiente fora do comum, o que condiz com o objetivo do evento, que é justamente buscar algo não convencional. Foram três noites (de sexta feira, sábado e domingo) que, seja com o céu limpo e uma lua bem visível ou seja com chuva forte, a galera curtiu as bandas que subiram ao palco do Sonido.

RESPIRANDO UM POUCO DE FESTIVAL SONIDO
O diretor artístico do Festival Sonido, Marcelo Damaso, explica que já existia uma ideia de fazer um festival gratuito que também reunisse outras linguagens experimentais, como videomapping e artes visuais, em um local aberto. Durante uma conversa que ele teve com o jornalista Ney Messias, ele sugeriu que o Sonido fosse feito no Mercado de Carnes. “Acabou sendo uma experiência diferente em Belém, porque o mercado não costumava ter esse tipo de evento e agora passou a ter, mais pessoas passaram a conhecer o mercado. Virou um festival experimental em um lugar novo, bonito, diferente e histórico pra cidade”, explica o idealizador.

Virou um festival experimental em um lugar novo, bonito, diferente e histórico pra cidade

Marcelo Damaso em entrevista – Foto: Treme Filmes

Ele também comenta que existe uma alta demanda por festivais independentes, principalmente voltado para o mercado da música experimental e não havia como colocar todos esses artistas e gêneros novos no Festival Se Rasgum, então o Sonido tem a proposta de abraçar esse estilo tanto de bandas locais quanto de bandas nacionais.

Ao ser perguntado sobre o que esperar dos anos que estão por vir, Damaso foi enfático ao afirmar que apenas quer que o Sonido aconteça. O festival que é gratuito e aberto ao público geral, depende exclusivamente de patrocínio e precisa continuar sendo patrocinado para que a programação continue. “É o primeiro ano de incertezas, a única coisa que eu posso falar é que a gente vai continuar resistindo, mesmo que tenha que enfrentar quem tiver que enfrentar”, diz. Ele ainda completa falando sobre uma visão do poder da arte e da cultura. “Nós acreditamos que a cultura e a arte são o que impulsionam mudanças, principalmente políticas e sociais”, afirma Marcelo Damaso.

“Nós acreditamos que a cultura e a arte são o que impulsionam mudanças, principalmente políticas e sociais”

O evento também proporciona uma circulação maior da economia interna do mercado, porque toda a renda de receita e bebida é dos trabalhadores autônomos que trabalham no local. Dona Valdemira trabalha há mais de 20 anos vendendo comidas regionais e enxerga o evento como uma oportunidade de ter uma renda extra e ainda por cima se divertir. “Logo que anunciaram o festival, eu pensei que não ia dar ninguém, achei que as pessoas não gostassem desse estilo de música, mas arrisquei e vim. Me surpreendi porque o evento bombou, acabei gostando das músicas e faturando muito”, diz a comerciante.

“Me surpreendi porque o evento bombou, acabei gostando das músicas e faturando muito”

Dona Valdemira em entrevista – Foto: Treme Filmes

QUEM PARTICIPOU SOLTA A VOZ
O Pará é conhecido nacionalmente pela diversidade cultural, por suas diversas cores e sabores que representam a identidade local. Mas é na música que o estado ganha maior visibilidade, com um som que espelha o cotidiano e os valores dos paraenses. Quando se pergunta a alguém de fora do estado, o que sabe sobre a cultura paraense, a pessoa vai lembrar pelo menos de um artista local que conquistou fama pelo país.

Um desses artistas é Manoel Cordeiro, que fez um show eletrizante no primeiro dia do festival com a banda potiguar Camarones e não deixou ninguém parado ao som de muito rock misturado com guitarrada. Em entrevista, o artista fala um pouco da relação que tem com a guitarra e do sentimento que o domina com esse instrumento. “Eu gosto de tocar guitarra, vários estilos, produzi muitos discos e sempre me apropriei da guitarra de acordo com o sentimento que estava vivendo naquele momento”, diz Manoel.

“Eu gosto de tocar guitarra, vários estilos, produzi muitos discos e sempre me apropriei da guitarra de acordo com o sentimento que estava vivendo naquele momento”

Manoel Cordeiro fazendo um som com a Camarones Orquestra Guitarrística – Foto: Leandro Tocantins

No segundo dia de Sonido, a banda Enquadro marcou presença, onde artistas como Lucas Estrela, Thiago Pires e Dan Bordallo entraram em sintonia. O guitarrista da banda Enquadro Thiago Pires, conversou com a gente e compartilhou que acredita no poder transformativo e democrático que a música, aliada a um pensamento crítico, tem. “Eu acredito que arte tem que ser extremamente permissiva, no sentido da gente se expor, errar, experimentar as coisas. Nem sempre a pessoa vai gostar de instrumental ou de carimbó, porque cada pessoa tem o seu gosto, então é muito importante trazer essa afinidade e particularidade de cada um”, explica o músico.

Eu acredito que arte tem que ser extremamente permissiva, no sentido da gente se expor, errar, experimentar as coisas

Thiago Pires em show da banda Enquadro – Foto: Heleno Beckmann

O Sonido contou com a presença de artistas de outros estados do país e internacionais. No cenário da música nacional, o pianista recifense, Amaro Freitas, que revolucionou o jazz no Brasil, veio a Belém pela primeira vez para tocar no festival e se encantou com a cidade. Ele fala um pouco sobre a importância de festivais, como o Sonido, para os artistas. “É muito importante que existam festivais como esse que, tanto para o instrumental, quanto para outras possibilidades artísticas, tenham essa visão de colocar esses artistas no palco”, diz Amaro. Ainda sobre a visão que tem do Festival, o pianista fala sobre a experiência proporcionada. “Se eu viesse fazer um show solo aqui, iria procurar um teatro com um bom piano e isso já seria seletivo para o público, mas quando eu venho pelo Sonido, ele me proporciona uma experiência direta da cena alternativa daqui e isso é muito incrível”, comenta.

“É muito importante que existam festivais como esse que, tanto para o instrumental, quanto para outras possibilidades artísticas, tenham essa visão de colocar esses artistas no palco”

Amaro Freitas no palco do Festival Sonido – Foto: Leandro Tocantins

Segundo Amaro, o acesso à cultura erudita ainda é muito restrito, um dos principais jeitos de popularizar a música instrumental é dando mais espaço a esse estilo na mídia de massa. Ele diz que é preciso que essa música alcance mais pessoas, principalmente aquelas que não tem escolha, usando a nossa marca para aproximar quem está nas periferias e acaba sendo negligenciado por conta da baixa posição na hierarquia social que vivemos. “Ah, mas aquela pessoa só gosta de tal tipo de música, talvez ela não tenha escolha e é preciso estar ciente de que aquela pessoa ao escutar a minha música pode não gostar e continuar gostando do que normalmente ouve, mas pelo menos houve uma opção”, diz o pianista.

CELEBRAÇÃO E VALORIZAÇÃO DA MÚSICA INSTRUMENTAL E EXPERIMENTAL
A projeção nacional dos artistas paraenses, nos últimos 10 anos, tornou propício um processo de identidade cultural por meio da música. Houve uma ressignificação de vários ritmos tradicionais, fortificando gêneros que fazem parte da cultura local e nacional.

A principal razão que moveu o publicitário Yan Caldeira a frequentar o mercado Francisco Bolonha, na sexta-feira de Sonido, foi a celebração e valorização de todos os tipos de cultura que são promovidos pelo festival. “O Sonido reúne algumas coisas muito interessantes, um gênero que não é muito divulgado, sem contar que é uma reinvenção do espaço urbano e uma forma de ocupar o espaço de uma maneira não tão tradicional, algo que deveria ser mais difundido aqui em Belém”, diz o publicitário.

“O Sonido reúne algumas coisas muito interessantes, um gênero que não é muito divulgado, sem contar que é uma reinvenção do espaço urbano e uma forma de ocupar o espaço de uma maneira não tão tradicional, algo que deveria ser mais difundido aqui em Belém”

Yan Caldeira em entrevista – Foto: Treme Filmes

Com a presença e voz dessa galera, a gente consegue ter um panorama da importância de festivais que valorizem a música instrumental e experimental e que fomentem esse mercado musical. O Festival Sonido traz essa movimentação dentro da Amazônia, com presença de diversos artistas, e um público cada vez mais engajado em conhecer e vivenciar os shows no Mercado de Carnes.

Quer ver um pouco do que rolou e mais da galera que foi no Sonido? Confiraabaixo o vídeo que fizemos sobre o festival!


Imagens: Treme Filmes | Roteiro: Gabriella Salame | Edição de vídeo: Geovana Mourão | Edição de texto: Gabriella Salame e Gabriel Marques | Direção de arte: Elson Britto | Reportagem: Yasmin Talita | Produção: Heleno Beckmann | Fotografia: Heleno Beckmann, Leandro Tocantins e Treme Filmes | Direção geral: Gabriella Salame | Estratégias digitais: Heleno Beckmann.

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